sexta-feira, 24 de abril de 2009

O 25 DE ABRIL AINDA EXISTE?


“Quando me encontrei recentemente com alguns amigos meus que estiveram consigo em Lagos, na época da Páscoa, soube que era professor de Psicologia Social no ISMAT e que mantinha um blogue.
Embora tenha passado o 12º ano com boa classificação, não tive disponibilidade financeira para continuar a estudar porque quis agarrar uma óptima oportunidade de trabalhar em Marketing e amealhar uns trocos. Futuramente, tentarei tirar o curso de Economia ou Gestão Empresarial.
Porém, ao consultar o seu blogue, vendo mencionados vários livros seus e como estamos em vésperas de 25 de Abril, o meu maior interesse consiste em saber se essa revolução seria previsível e se pode ser compreendida através da Psicologia Social. 

Qual a sua opinião ou visão sobre este assunto?
Embora não me conheça pessoalmente, chamo-me Vicente Rodrigues Sampaio e, nos próximos cinco anos, vou ser candidato a um dos cursos acima mencionados, na zona do Porto ou arredores.”



Caro senhor Vicente Rodrigues Sampaio.
Não o conheço pessoalmente mas julgo que sei quem são os amigos de quem falou. De qualquer modo, tenho imenso gosto em tentar dar-lhe uma imagem das minhas convicções sobre o “25 de Abril”, não apenas como docente de Psicologia Social, mas também como homem político que, forçosamente, em democracia, tenho de ser, como todos nós.
Por isso, neste caso particular, tenho dificuldade em separar as águas e peço desculpas pelas opiniões pessoais que possa estar a proferir, visto que vivi 40 anos na «ditamole», daquelas que «faz mossa».

Antes de tudo, peço que leia ou releia o GOVERNAR «BEM» NÃO É
FÁCIL, de 22FEV2009. Através desse post e de outros que nele são mencionados, deve compreender que nunca tive qualquer simpatia pela governação de Salazar, especialmente depois de 1940 e sem a sábia «opinião» e conselhos de Quirino de Jesus.
Na época em que cheguei ao território continental, em Novembro de 1957, verificava-se na população um atraso enorme na alfabetização e na consciência dos seus direitos como cidadãos. Parecia que o Estado era o «Todo-Poderoso» e que fazia o favor de dar, de vez em quando, umas migalhas ao seu povo, o qual não tinha o direito de «refilar» ou de «exigir» qualquer coisa a que se julgasse com direito.
Além disso, a obediência cega e não contestada aos chefes era um «bem» a ser preservado pelos cidadãos para a obtenção de qualquer «benesse» que pudesse ser solicitada no futuro. Assim era tanto nas Forças Armadas como no Funcionalismo Público. A «instrução» era uma regalia dos que possuíam bens de fortuna. Para quê instruir um povo que se destinava a «trabalhar» e a «ser governado»? Para governar, existiam os «eleitos» que a hierarquia escolhia.

Poderão perguntar-me se isso mudou com a nossa actual «democracia».
E as minhas perguntas não se farão esperar:
-- Qual o nosso atraso em relação ao resto da Europa?
-- A taxa de instrução mudou muito?
-- É acessível a todos de modo que os «talentos» sejam desenvolvidos?
-- Se assim não é, como poderá haver «democracia», que é um sistema de governação com a participação de todos os cidadãos devidamente esclarecidos?

Muitos dirão que existem diversos tipos de democracia como a chamada «democracia orgânica» de que muito se falava no tempo de Salazar.
Em quase todos os países do mundo existe democracia!
Não estou a falar na teoria mas sim apenas na prática.
Mesmo nesses tempos, quem conseguia votar correcta e honestamente? Quem conseguia dizer alguma coisa contra o «regime»?
Qual a percentagem das pessoas que percebiam alguma coisa de política, direitos cívicos, macroeconomia ou progresso industrial?
Para que serviam a polícia política e a censura?
Para «determinar» aquilo que os outros deveriam sentir ou pensar?
Para isso, não seriam a instrução e a educação os instrumentos mais adequados?

O desconhecimento e a ignorância eram um «feudo» dos governantes. Continua ainda a ser em algumas terras mais recônditas do nosso Portugal actual e pós-25 de Abril onde existe um «maioral», religioso ou não, que dá o «mote» para que «o rebanho» o siga em coro e as coisas sejam conduzidas ao seu agrado. A democracia não consiste em ir votar mas sim em tomar parte activa na vida pública para que a mesma seja conduzida de acordo com a vontade da maioria e sem a subjugação das minorias. Haverá já instrução e educação suficientes para que a vida pública seja conduzida ao nosso gosto por aqueles que nós escolhemos numa votação? E eles continuarão a ser honestos e coerentes com aquilo que prometeram na sua magnífica campanha eleitoral?
Há poucos dias, falou-se na televisão num estudo comparativo sobre a «liberdade» nos vários países europeus.
Portugal ficava, em média, cerca de 10% abaixo de qualquer outro país.

Se ainda não existe «liberdade» suficiente para estarmos ao nível dos restantes países da Europa, como será possível demonstrarmos convenientemente os nossos interesses?
Se juntarmos a falta de instrução, à falta de liberdade, em que ficamos? Falou-se hoje na TV num estudo da UNICEF sobre a instrução, educação e apoio à criança, que apresenta Portugal como um dos países mais atrasados, enquanto classifica a Suécia no mais alto nível.
Os antigos e actuais Ministros da Educação terão ouvido isto?
Serão os tais «democratas» que temos?


Nos tempos antigos, a falta de desenvolvimento exigiu também o aumento da emigração que, em comparação com o nível de vida dos países acolhedores, fez ver aos vários emigrantes e seus familiares a diferença de nível de vida nos vários países. Em Portugal, as pessoas só podiam ver o que se passava à sua volta mas tinham de se calar. Isso magoa e frustra.
A guerra do Ultramar foi outra porta aberta para um cenário diverso e também frustrante mas sem a possibilidade de reacção.
Nestas circunstâncias, os «castigos» aos quais ficamos sujeitos criam frustrações que exigem uma resposta «engendrada», às vezes, conforme as possibilidades do momento. A pressão originada pela frustração e sentida vivamente dentro de cada um, vai crescendo e exigindo o desejo legítimo de a aliviar. Se não houver escape, o «contentor», qualquer dia, pode explodir.

Seria leviandade e muita ignorância dizer que não se podia prever qualquer comportamento fora do comum. E, o mais vulgar e lógico, seria o de «retirar» os
governantes dos seus «poleiros» e substituí-los por outros que fossem mais consentâneos com os anseios momentâneos da maioria ou de quem pudesse executar essa substituição.

Se os militares eram os mais sacrificados com a guerra e com a falta de desenvolvimento do país e até alguns generais estavam nesse rol, a força necessária estava à disposição «da explosão» desde que se conseguisse um momento propício e um «modus operandi» adequado.

As pessoas mais radicais e os Ballet Rose» funcionavam à mistura com uma governação inadequada que caiu de podre como uma fruta madura na qual ninguém quer pegar mas que deixa saudades em alguns. 


Será que ao fim de 35 anos de exercício do novo poder político, não existem ainda resquícios de «Ballet Rose» modificado?

Em que ficam os cargos, quase vitalícios, de alguns governantes «conquistados» através de electrodomésticos, festas populares, «favores pessoais» e «benesses» várias? E, em que ficou a instrução que é essencial para a aquisição dos conhecimentos necessários para a autodeterminação e desenvolvimento de um povo? Quem a exige e quem a proporciona? Disseminou-se com a entrega de «diplomas»?

Se, com os «bons conselhos» de Quirino de Jesus, Salazar tivesse arranjado, a partir de 1940, um sucessor a quem, com a sua longa experiência dos 20 anos anteriores, ajudasse a melhorar o desenvolvimento e a instrução neste país, bem mereceria a gratidão de um povo que ele ajudou, no início do seu mandato, a «sair da cepa torta». Um largo, um monumento e muitas mais coisas seriam poucas neste País ainda faminto de pão, instrução e democracia.

Salazar «foi-ce sem martelo». De que serviu o ouro que foi acumulado sem um desenvolvimento adequado do País em pessoas e bens?
O desfecho da sua vida faz lembrar a de um outro velho solteirão que vivia num quarto onde ninguém mais podia entrar. Esse homem era um sovina que fazia toda a espécie de sacrifícios, exigindo que a restante família dependente de si também procedesse do mesmo modo. Um dia, foram encontrá-lo morto ao lado da cama, agarrado a uma antiga lata de petróleo quadarngular, com base de 20 cm2. e 50 cm. de altura, com uma bela tampa, cheia de «notas» das mais valiosas.
Depois da sua morte, pouco tempo duraram as «notas» na lata de petróleo. Como eram leves, esvoaçaram! 

O «direito á indignação» de que falou, uma vez, um Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, tinha de ser exercido com muito mais razão e acuidade o que poderia ser antes ou depois desta data, que tanto camuflou e mascarou a sua «virtude» nos últimos anos com acções de intimidação.

O nosso vizinho Franco industrializou o país e «passou o testemunho» duma maneira muito sensata e ordeira. Porém, o povo espanhol estava mais ou menos satisfeito com o seu dirigente que não era tão repressivo como o nosso, nem tão forreta. E a nossa falta de visão do futuro foi ainda mais catastrófica.
Vários dos oficiais espanhóis, com quem muitas vezes contactei, diziam-me que estavam a tirar um curso universitário para além do seu curso militar. A nós, essa «benesse» era negada com os mais diversos argumentos. Respondo pessoalmente por isso porque se isso não acontecesse, entre 1963 e 1965 teria concluído o curso de Direito e, provavelmente, seria agora advogado e não psicólogo.
Mas isto só foi possível porque o curso de Psicologia, praticamente proibido «no Estado», em 1965, era uma ténue necessidade a ser suprida no ensino particular e religioso para a orientação e reeducação escolar.
Os mesmos jovens oficiais espanhóis também me diziam que não era necessário ouvir falar a língua, nem ver a moeda ou ler os cartazes para saber se estávamos em Portugal ou Espanha. Bastava olhar para as estradas, para as casas e para o cultivo das terras. Esses oficiais que, em 1961, pareciam andrajosos em comparação
connosco e ganhavam menos do que o nosso ordenado, no ultramar, em 1970, já tinham uma aparência completamente diferente e ganhavam mais do que o dobro do nosso vencimento.
Não terão sido a instrução e a industrialização que ajudaram a Espanha, de Franco, a «dar o salto qualitativo» de que tanto necessitava?
O que fez Salazar, com a sua teimosia, em relação a nós? Deixou-nos ignorantes, mendicantes, invejosos, medrosos e obedientes, exceptuando alguns que, uma vez colocados no «poleiro» se mostram corruptos, importantes e prepotentes?

Assim, inaugurar, em 25 de Abril, um largo, uma estrada, uma ponte, um museu ou qualquer outra coisa, por mais insignificante que seja, com o nome de Salazar, parece ser um pouco ofensivo para a boa coerência dos factos ocorridos e para as pessoas mais radicais e não desmemoriadas. Se formos verdadeiramente democratas, até podemos aceitar que ele fez o melhor que pôde antes de 1940, mas que não soube deixar de disparatar depois desse momento a partir do qual muita da nossa vida teria melhorado só com a aprendizagem da democracia e com o aumento da instrução, assim como aconteceu na Europa à qual pertencemos.
E onde estão todos aqueles que o apoiaram, especialmente, nos últimos 20 anos da sua vida? Vê-se algum na televisão?

Para finalizar, posso dizer que a frustração pode conduzir-nos a comportamentos estranhos e disparatados, não se conseguindo saber de antemão quais serão. Se, no momento em que tivermos na nossa mão o controlo da situação, não formos capazes de reduzir essa sensação de desconforto, tão desagradável para o próprio, talvez tenhamos a surpresa e o desagrado de «nos sair o tiro pela culatra». Para isso o feedback é importante (ver o post Na Comunicação, o Importante é o Feedback, de 14ABR2009).


Ramalho Eanes acabou de dizer, em Grândola, que tínhamos as instituições que merecíamos. E também o país que ajudámos e reformular. Não será verdade? Foi num painel em que também participavam capitalistas! E «esquerdistas»! Não tivemos 35 anos para «construir a democracia» e remodelar o País? O que fizemos? Para onde foram as «ajudas» que recebemos da Comunidade Europeia?A Psicologia Social ensina-nos como devemos estar preparados para reagir de modo adequado; mas também diz que temos de «intervir» se quisermos que a democracia exista e seja uma realidade.
Hoje encontrei um General, «sem ser de aviário», que concordou com as minhas ideias.
Espero que os intervenientes sejam comedidos nas palavras, com toda a liberdade para expressarem a sua opinião, sem ofensas.
Este blog não tem moderação para os comentários.

Caro Senhor Vicente Rodrigues Sampaio.
É esta a minha opinião técnica e política na véspera de um 25 de Abril que ainda não se concretizou!

Em 2018, já existe na colecção da Biblioterapia o 18º livro «PSICOTERAPIA… através de LIVROS…» (R),
destinado a orientar os interessados para a leitura e consulta adequada de livros, desde que desejem enveredar por uma psicoterapia, acções de psicopedadogia, de interacção social e de desenvolvimento pessoal, autonomamente ou com pouca ajuda de especialistas.

Consultou todos os links mencionados neste post?

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Ver também os posts anteriores sobre BIBLIOTERAPIA
É aconselhável consultar o ÍNDICE REMISSIVO de cada livro editado em post individual.

Blogs relacionados:
TERAPIA ATRAVÉS DE LIVROS para a Biblioterapia

Para tirar o máximo proveito deste blog, consulte primeiro o post inicial “História do nosso Blog, sempre actualizada”, de Novembro de 2009 e escolha o assunto que mais lhe interessa. Depois, leia o post escolhido com todos os comentários que são feitos. Pode ser que descubra também algum assunto acerca do qual nunca tivesse pensado.


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6 comentários:

Vicente Rodrigues Sampaio. disse...

A sua resposta deixou-me satisfeito. Agradecido pelo trabalho que teve em a elaborar.

CãoPincha disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
CãoPincha disse...

Viu ontem a entrevista da SIC aos familiares de Marcelo Ceatano?
Se depois da «farsa» vivida na sua visita ao Ultramar e do comportamento dos seus netos ele não foi capaz de «compreender» a situação do país, ou era muito «burro» ou necessitava de outro par de óculos, para não ser cognominado de «fascista».

Anónimo disse...

Quando as pessoas olham só para o seu umbigo, têm um nariz muito curto e julgam que são poderosas, tarde ou cedo descobrem que poderiam ter utilizado um outro caminho. Elas esbarram.
Mas o mal é dos que são «esbarrados».
Oxalá que as coisas não se repitam, nem de longe.

Cão Pincha disse...

Gostámos desta tua intervenção em resposta a Vicente Rodrigues Sampaio.
Vamos ver a televisão para verificar as maravilhas dos nossos famosos politiqueiros desde «há 35 anos atrás» e tentar descobrir o que «farão, pelo menos, nos 5 anos à frente».
Lembrar-se-ão? Um já não se lembrava que tinha falado duas vezes. Esqueceu-se. Coitadinho.
Foi necessário que Oliveira e Costa fizesse lembrar qualquer coisa de que se tinha esquecido?
Depois conversamos.

CãoPincha disse...

Oh Meu!
Não te esqueças de dar um golpe de vista pelo nosso post de hoje intitulado "VITORIA" DISSERAM ELES.
e o anterior, ambos dedicados às recentes eleições.